19 de abril de 2017

“A crise não está lá fora, a crise é interna, e não queremos encarar isso”: Krishnamurti



Acho que não há dúvidas que vivemos há algum tempo (mais) uma grande crise, política, econômica, social, coletiva, e, de novo, “queremos ordem no mundo, politicamente, religiosamente, economicamente, socialmente”, como retratou certa vez o célebre filósofo indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986) no registro desse curto vídeo abaixo, reproduzido do documentário “The Mind of J. Krishnamurti” — gravado muito antes de nossa crise atual (parece que sempre há crises). “Nas nossas relações uns com os outros, queremos ordem, queremos alguma paz, alguma compreensão“, prossegue ele, para logo em seguida confrontar esse desejo com a atenção à nossa crise “interna”, pessoal, individual, que, segundo ele, é a verdadeira crise: “A crise não está lá fora, a crise realmente é interna, e nós não estamos com vontade de resolver isso“.

Interna como?, podemos nos perguntar. As palavras que ele usa para definir interna são “psicologicamente” e “na consciência“. No vídeo ele afirma que “a consciência está uma confusão, em contradição”. A forma mais simples de entender isso talvez seja ver que o que se busca como ordem no mundo não está correspondendo à desordem que se vive internamente — desordem psicológica e desordem da consciência. Uma frase atribuída a Sigmund Freud tem sido compartilhada exaustivamente na Internet, onde ele pergunta: “Qual a sua responsabilidade nos problemas do mundo que você critica?” (nota atualizada sobre a frase atribuída: a frase consta no livro “Presentation on Transference”, de Jacques Lacan, onde ele cita Freud e descreve a frase como sendo “Qual o seu envolvimento na desordem da qual você reclama”, pg.179 — com agradecimentos ao leitor Nelson Matheus, que trouxe a primeira confirmação).

Esse vídeo foi extraído de uma entrevista que Krishnamurti concedeu ao escritor e educador Michael Mendizza (em inglês aqui), e ele mesmo refaz a pergunta para entender o que Krishnamurti quer dizer com crise interior.  Um dos trechos da resposta que recebe não está neste vídeo, mas fala da nossa super-adaptação aos vários sistemas vigentes, que seguem inquestionados: “Quando eles oferecem sistemas e você os aceita, você está fechado, seguro, protegido, e você sente isso. E a maioria da pessoas quer se sentir protegidas psicologicamente. Mas as instituições nunca salvaram o homem, politicamente, religiosamente; elas nunca realmente libertaram o homem da sua tristeza, dor e todo o resto. Sabemos disso, mas os sistemas tem um apelo extraordinário para aqueles que não pensam”. Mais do que a ignorância, Krishnamurti cita a “preguiça” como fator que justifica a manutenção dos sistemas.

Uma das coisas que o filósofo sempre sugeria em seus discursos e palestras era que, se as pessoas tinham dúvidas, que se perguntassem, sincera e profundamente, sem se apegar a padrões de respostas já existentes, e assim chegariam a respostas verdadeiras. Podemos seguir essa sugestão agora e colocar atenção em algumas perguntas orientadas-ao-nosso-interior nesse cenário de crise atual: nós queremos que os políticos se interessem e se dediquem aos problemas e às necessidades comuns, mas será que fazemos isso quando vivemos os variados eventos da nossa rotina? Será que quando entramos em debates, por exemplo, não ajudamos a torná-lo uma discussão dividida, oferecendo resistência e defesa, ao invés de torná-lo mais inclusivo e compreensivo? Será que não estamos agindo apenas em prol de agendas individuais, com graus de segregação e ausência de fraternidade – e desejando que o mundo tenha justamente isso, para podermos então ter essas mesmas coisas em nossas vidas, de fora pra dentro? O que leva a essa expectativa? O que leva a projetar a responsabilidade sobre o outro, ou sobre um sistema? Qual minha motivação quando divido, engano, rejeito, ataco? Quem acredito que sou ou preciso ser para pensar e agir assim? Que mais perguntas podemos fazer, eu sinceramente gostaria de evoluir e aprofundar em mais questões, tomar caminhos diversos nesse tipo de questionamento — podemos fazer isso nos comentários, e eventualmente atualizo o post. Assim podemos ir ampliado e renovando, “encarando a crise”, buscando um ordem e esclarecimento interior.

“Já está provado, por mais e mais vezes, que querer ordem externa no mundo sem ordem interna só gera mais desordem”.Jiddu Krishnamurti

Segue o vídeo com legendas embutidas em português:

Krishnamurti - A Crise é Interna 




9 de abril de 2017

“Queremos ser sempre a vítima, mas somos o único responsável”:



para acordar do sonho, com Kenneth Wapnick

E se tudo que nos perturba, nos causa problemas e ansiedades na vida não fosse causado por algo externo, mas por decisões que nós mesmos tomamos?

E se tudo, absolutamente tudo, sem excessões, fosse causado por nós mesmos? Por eu mesmo? Sem nenhuma causa fundamentalmente externa? (apenas causas consoantes)

E se o que sofremos fosse consequência de nos alienarmos de nossa responsabilidade sobre o que “nos acontece”?

E se não houvesse absolutamente nenhuma possibilidade de nós sermos vítimas de nada?

Esse trecho de 10 minutos de um workshop do Dr. Kenneth Wapnick sobre os fundamentos de “Um Curso em Milagres” (UCIM), propõe uma série dessas indagações seríssimas em forma de afirmações sobre quem somos, porque estamos aqui, porque estamos enganados e o que devemos fazer com isso. Ele afirma, por exemplo, que de fato não somos vítima de nada (apesar de decidirmos e quase sempre gostarmos de ser), que de fato somos decisores que se abstém de assumir responsabilidade pela condição inteira, que de fato a realidade é um sonho projetado de um outro (ou de vários outros) ser(es) que queremos que seja(m) responsável(is), etc. São várias sentenças que são ao mesmo tempo profundamente psicológicas, da condição do ser humano, e também cosmológicas, sobre a existência humana e do universo — podem até parecer dogmáticas, mas em essência são ensinamentos e propostas de experiência e percepção. Dr Kenneth Wapnick (1942-2013) foi um dos grandes nomes de Um Curso em Milagres, fundou o Instituto da Paz Interior e foi presidente do Foundation for a Course In Miracles, nos Estados Unidos.

—> Mais sobre Um Curso em Milagres na Wikipedia.

Por afetarem a essência das crenças que a cultura humana toma por dada (seja científica ou religiosa), pela incisividade e capacidade de explicação que Kenneth apresenta, esse vídeo pode servir de semente de estrondo (interno). Ao ver o vídeo pela primeira vez, algumas frases ficaram na minha mente por alguns dias, e algumas pessoas para quem mostrei preliminarmente também relataram algum tipo de impacto. Mas é preciso proceder com atenção para não entender uma coisa por outra, já que essa visão apresentada (do UCIM) na explicação de Kenneth atravessa abordagens de Psicologia, de Espiritualidade, de Terapia, passa por releituras da visão da Bíblia, da compreensão do sofrimento humano e se aproxima de outras visões e escolas, como do próprio Budismo.

Vejamos o vídeo e depois falamos mais. Para ativar as legendas, clique o ícone “CC” de Closed Captions na parte inferior do vídeo, depois clique no ícone de Configurações (Settings) e então selecione Subtitles/CC e “Portuguese (Portugal)“. Abaixo do vídeo, alguns trechos da transcrição em português:


Alguns trechos selecionados da transcrição do vídeo acima:

— Nós ainda estamos no primeiro passo do perdão, que consiste em reverter a projecção que, basicamente, (…) implica reconhecermos que, seja o que for que nos perturba, não provém de nenhuma coisa externa, mas sim da decisão que tomámos.

— A questão principal, claro, é que o sonhador é a mente, mais especificamente, a parte tomadora de decisões da nossa mente que escolheu acreditar no ego e no seu sistema de pensamento de separação e especialismo. E é a decisão de nos identificarmos com esse sistema de pensamento que dá origem ao mundo. O mundo é, então, o sonho.

— Então, o que este primeiro passo faz é ajudar-nos a reconhecer, mais uma vez, que tudo aquilo que pensamos que nos foi feito a nós, é algo que nós fizemos a nós próprios. Nós somos os responsáveis pela nossa perda de paz. Nós somos o sonhador do sonho.

— Eu sou agora totalmente alheio ao que está a acontecer. É a parte de mim, tomadora de decisões, que é a causa disto, e eu sou agora a vítima inocente, ou o efeito, do sonho de outra pessoa. E é assim que a nossa “vida” começa. Nós somos o efeito do sonho dos nossos pais, da composição genética, das influências ambientais, etc., etc.

— Este é o sonho do mundo, que esconde e protege o sonho secreto – o facto de ser eu o único responsável. Fui eu quem se separou de Deus. Fui eu quem se proclamou a si mesmo de Deus, de forma egoísta e à Sua custa.

— Devo mencionar de novo que quando escolhemos o ego, e basicamente nos esquecemos do Espírito Santo, (Ele desapareceu depois na nossa mente) nós também silenciámos essa voz. Assim, a única voz que ouvimos sempre desde então tem sido a do ego. Há apenas duas vozes na nossa mente. Na mente dividida há apenas duas vozes. Ao termos banido o Espírito Santo, e para todos os efeitos e finalidades, O termos enterrado na mente, deixamos de ouvir essa voz. Por isso, a única voz que ouvimos é a voz do ego. E como agora essa é a única voz, isso é o mesmo que dizer que é a voz de Deus, porque é a única voz que conhecemos, ela é a voz da verdade, a verdade que o ego diz ser a verdadeira. E assim, este sonho secreto passa agora a ser algo que é real.

Nós queremos ser a vítima num corpo moribundo. Novamente, porque é que acham que a crucificação de Jesus se tornou o maior símbolo e a peça central de uma religião? O ego alimenta-se de sacrifício, de “ou um ou outro”, um ganha e o outro perde. É por isso que o terceiro capítulo do texto começa com a secção “Expiação sem sacrifício”. Porque na visão Cristã e, na verdade, na Judaica também, a Expiação envolve sacrifício. É essa a vontade de Deus. E mais uma vez, como mencionei antes, esse é o Jesus que nós amamos. Esse é o Deus que amamos. Essas são as escrituras que amamos, que reforçam o nosso próprio sistema de pensamento de especialismo, sacrifício e morte.

— Assim, nos sonhos de perdão, quando pedimos ajuda ao Espírito Santo, Ele ajuda-nos a perceber que não há vencedores nem perdedores. Assim somos todos perdedores. Mas todos nos tornamos vencedores quando percebemos que estamos todos a fazer o mesmo pedido de ajuda. Somos perdedores porque todos compartilhamos o mesmo sistema de pensamento insano. Mas somos todos vencedores porque todos temos ainda dentro de nós, na mente certa, esta centelha de luz.

—  Esta memória de quem realmente somos, que nos diz que tudo isto é um sonho. E o caminho para fora do sonho é não fazer nada
com o sonho e sim despertar dele. (…) Tudo o que precisamos é de um pouco de boa vontade. Não precisamos de fazer nada. Não precisamos de mover montanhas. Não precisamos de mudar as coisas. Não precisamos de curar ninguém. Apenas olhem com os meus olhos em vez de com os vossos. É somente isso que precisamos de fazer.





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